segunda-feira, 25 de maio de 2009

Kangchenjunga, 8586m


We finally reached Kathmandu this morning after a whole night of driving, and following a 3 days strike that paralyzed the Country and forced us to vegetate in a lousy hotel somewhere in the SE.
Our expedition to Kangch
enjunga (8586m) was a success with 4 of us on the summit on May 15.

We were initially 8 climbers: Piotr Pustelnik, 49, Polish, leader, Marty Schmidt, 40, USA, Hector Ponce de Leon, 34, Mexico, Araceli Segarra (f), 32, Spain, Markus Stofer, 34, Swiss, Brian Du
thers, 32, Swiss, RD Caughron, 58, USA, and me, Gonzalo Velez, 42, Portugal, and additionally: Piotr Klepacz, 33, our doctor.
We reached the SW face BC on Apr 12. The view of the mountain was impressive at first sight because it all seemed so complicated due to the wide fractured glaciers that hanged from the "Great Shelf" (7100m) and from the "Hump" (6300m). Camp 1 was installed finally on Apr 21.
Due to the persistent weather difficulties our Camp 2 would be put up by May 2 at 6900 meters. By then Markus had abandoned our expedition because he was not psychologically prepared to the complication of frequently doing the trail and the extension and harshness of the route.

The weather was very difficult because it snowed every afternoon sometimes about 20cm which caused our trails on the mountain to disappear. We had to do them again anew in the following climb. In addition we were the only team on the mountain.
Later on RD [RD Caughron, 58, USA] also abandoned due to poor health and fear that his heart might "fail" creating us rescue pro
blems.
We left BC on May 8 with the intention to continue to the summit.
On May 10 we were at Camp 2 but did not foresee the fact that we had not yet found a way through the seracs onto the Great Shelf.
On May 11 we tried without
success and on May 12 we found a very simple way through.
On May 13 we traversed the Great Shelf and camped at 7600 meters inside a crevasse! We took 2 tiny tents and slept with a lot of discomfort: Piotr, Brian and me in one, Araceli, Hector and Marty in t
he other.
Next day my group decided to move the tent 200 meters up to 7800 meters and become closer to the summit.
On May 14 Marty left his tent at 23h and passed by ours by 2h. He took a long time due to deep snow. We were also getting prepared and Brian left by 2h30, me and Piotr by 3h (we can't all get ready at the same time in such a small tent designed to 2 persons!).
Hector and Ar
aceli left by this time but unfortunately they could not warm their feet and worried with the consequences decided to descend.
We spent the morning going up the "Gangway", the 45 degrees couloir that leads to the West ridge. By 8h the weather started deteriorating with the wind intensifying and the visibility decreasing. We then diverted to the normal route couloir but it revealed having too much accumulation of snow. Then we retreated to and climbed the Gangway to its end and followed the West ridge to the summit which we reached by 14h.
We all descended safely although some of us still have some numb toes and fingers.

No serious frostbite occurred.

Gonçalo Velez
Kathmandu, 30.05.01

PS: Only Piotr Pustelnik used oxygen to reach the summi
t.




Um Português no Pamir

Escaladas de 6100m e de 7104m no Tadjiquistão-

Acordei com um terrível sobressalto a meio da noite gelada. No ar rarefeito a 6400m, apertado dentro da tenda, tinha-se-me tapado o nariz. Ergo-me dentro do saco-cama debatendo-me com esta contrariedade que não me deixar mais dormir.
Decido sair - talvez o ar frio me auxilie.
Ao mover-me salpico o interior da tenda com o gelo que se formou nas suas paredes - é proveniente da nossa respiração que condensou e gelou.
Mal desponto a cabeça de fora o choque térmico nos meus pulmões é fortíssimo e deixa-me muito ofegante.
A noite está radiosa com o céu claro e estrelado iluminando as grandes montanhas em redor. O espectáculo é grandioso mas os cerca de 25o negativos não permitem devaneios. Sinto-me melhor e preciso de descansar.
Amanhã partimos para o cume.
Em 1990 decidi conhecer pela primeira vez a grande altitude e juntei-me a um grupo de amigos franceses para tentarmos a escalada de um 7000m no Pamir.
As inúmeras escaladas e raides de ski-alpinismo nos Alpes deram-me técnica e experiência para participar com confiança nesta expedição.
No entanto, sete mil metros de altitude é bastante mais alto que os 4807m do Mont Blanc - o ponto mais elevado da Europa Ocidental - que escalara cinco vezes por vias diferentes, uma das quais para o descer em ski.
O projecto era aliciante e desafiador ainda para mais por nenhum de nós ter experiência da grande altitude. Todos levávamos conhecimentos teóricos sobre a táctica de aclimatação e de ascensão, mas nenhuma prática.
Encontrei-me com a equipa em Moscovo: o Alain e o Jean François (Jeff) de Toulouse, meus conhecidos das escaladas em Chamonix, e o Patrick e a Isabelle de Lyon, que se viriam a juntar a nós.
Passados dois dias de visita a Moscovo tomámos o avião para Osh na República da Kirghizia.
O voo pareceu-me demorar toda a noite e acordei, já o sol brilhava, com uma asa de frango gordurenta e um arroz ralo na minha frente - era o pequeno almoço "signé" Aeroflot.
A organização tínha-nos preparado outro pequeno almoço de reforço no aeroporto - um autêntico manjar - que nos permitiria sobreviver um dia inteiro de camioneta por uma região muito montanhosa em direcção ao maciço do Pamir, situado na República do Tadjiquistão.
Esta cadeia é o prolongamento do maciço de Karakoram e estende-se do norte do Paquistão e Afeganistão ao deserto de Taklamakan na província chinesa de Xingiang.
Nesta região vivem os povos kirghiz e kazhak que antigamente se deslocavam livremente entre o mar Cáspio e os grandes planaltos do oeste da China e do Tibet. No tempo em que eram aliados de Genghis Khan e as "Montanhas Celestiais" garantiam a sua protecção.
Conhecendo o relevo, é fácil de entender como até ao início deste século a região se tem mantido tão isolada, excepção feita aos viajantes que, como Marco Polo, percorriam a Rota da Seda para penetrarem na Ásia Central.
Nos dias de hoje os costumes mantêm-se como há séculos e a vida decorre rude e pacata como sempre. Encontram-se todavia algumas excepções à tradição como a botija de gás à porta da tenda "yourt" ou a motocicleta velha com "side-car".
A base da alimentação é ainda o leite de égua e a carne de carneiro. A sua economia baseia-se na pastorícia e o cavalo continua a ser o meio de transporte privilegiado.
"Os cavalos são as asas do nosso povo", diz um provérbio kirghiz. Este animal assume desde sempre um papel de destaque na vida destes povos sendo a sua presença constante no imaginário colectivo. Cortejar uma mulher dizendo-lhe que se parece com um cavalo é um grande piropo e, ao invés, criticar um cavalo é uma afronta para o seu dono. Ainda hoje se realizam corridas e jogos tradicionais, sendo o "buz kashi" o mais praticado e apreciado: duas equipas a cavalo disputam entre si um bezerro decapitado tentando colocá-lo num círculo ao centro do campo - é um jogo muito violento, comparável a um rugby a cavalo.
Depois de horas de todo-o-terreno pela estepe verdejante chegamos ao campo de Ashik Tash a 3600m terrivelmente fatigados e moídos. Em conversa com outros franceses tomamos conhecimento da enorme tragédia: na véspera, ao fim da tarde, abatera-se uma imensa avalanche sobre o campo 2 a 5200m do Pico Lenine (7134m) sepultando 45 alpinistas: 26 russos, 10 checos, 2 alemães, 4 israelitas, 2 suíços e 1 espanhol. Salvaram-se somente um russo e um checo com graves congelações e hipotermia. Este acidente é considerado a maior tragédia da história do alpinismo.
Tratei de enviar imediatamente um telegrama à minha mulher para sossegá-la pois a notícia iria correr rapidamente.
No dia seguinte iniciámos o nosso programa de aclimatação à altitude escalando o Pik Piotrovski (4800m) que ofereceu muito pouca resistência. Este processo de adaptação do organismo à altitude é necessário quando não se utiliza oxigénio engarrafado.
A 7000m a composição do ar é idêntica à do nível do mar, o que varia é a pressão atmosférica. Sendo ela reduzida, o organismo tem de compensar-se: cria glóbulos vermelhos em excesso para fixar mais oxigénio e multiplica os alvéolos pulmonares igualmente com esse fim.
Nestas condições vive-se num delicado equilíbrio fisiológico em que devemos vigiar-nos atentamente e hidratarmo-nos o mais possível para permitir ao organismo regular a fluidez do sangue e, assim, evitarmos os edemas, pulmonares ou cerebrais. Neste processo o sangue torna-se mais viscoso e tem maior dificuldade em irrigar as extremidades facilitando as congelações.
Dois dias de estada em Ashik Tash foram suficientes para uma aclimatação preliminar e partimos para o campo de Moskvina a bordo de uma caranguejola voadora: um helicóptero da Aeroflot. Uma hora de voo para o interior do maciço deixou-nos absolutamente maravilhados com o espectáculo montanhoso em que penetrávamos. Viajámos de escotilhas abertas e cabeça de fora, sem fôlego e de cara gelada.
O campo de Moskvina, a 4300m, seria a nossa base e daria acesso a vários picos, entre os quais o Pik Kommunisma (7495m) e o Pik Korjenyevska (7105m). Este campo está situado numa grande bacia entre altas montanhas e na confluência de dois glaciares - o espectáculo não podia ser mais deslumbrante !
No dia seguinte partimos para o Pik Vorobyovski (5300m) que alcançamos em dois dias. A ascensão decorreu sobretudo sobre cascalho, o que é muito incómodo, mas é preciso ganhar altitude. Acima dos 4000m é necessário cumprir-se um programa de adaptação à altitude. Consiste em atingirmos altitudes cada vez mais elevadas, de forma progressiva, para permitir ao organismo adaptar-se. Aplica-se a conhecida regra: "Escalar alto, dormir baixo".
Voltamos ao campo base para descansarmos um dia, e..."c'est parti" de novo. O nosso objectivo agora é o Pic des Quatre (sommets) com 6300m. Uma bonita agulha toda nevada com um aspecto um pouco abrupto.
Subimos o longo glaciar até ao campo 1 a 5000m, onde nos juntamos a um grupo de russos de Sverdlovsk. A sua hospitalidade é muito calorosa e querem dar-nos de jantar - aqui janta-se às 18h. Mal chego tenho já um prato de sopa numa mão e um naco de pão na outra, e pessoas ainda a oferecerem-me queijo, chá, sardinhas de lata, etc. A sua ânsia de contactar com estrangeiros é enorme e orgulham-se de nos acolherem no seu país.
Todos conhecem Portugal e querem saber o mais possível sobre o mundo exterior. A evolução da "perestroika" também é muito discutida e a grande estrela do momento é Boris Ieltsin que, para grande orgulho dos nossos "anfitriões", é também natural de Sverdlovsk. A conversa, muito animada, teve de ser interrompida pela disciplina horária que rege estas ascensões.
De manhã inicia-se uma dura etapa em neve e gelo até aos 6000m do campo 2. As mochilas pesam e o declive, muito alpino, obriga a um bom esforço.
Não foi fácil descobrir a exígua plataforma, onde mal cabiam as nossas duas tendas - o único local possível na íngreme vertente -, no meio de um vento forte e gélido.
Atingimos o cume no dia seguinte, não sem um inesperado e duro esforço através de um corredor (1) coberto de gelo vivo.
De volta ao campo base confrontaram-nos com uma dura decisão: o Pik Kommunisma, que era o nosso objectivo, apresentava um forte risco de avalanche e a organização russa tinha-o interditado. Ou esperávamos que as condições se alterassem, ou decidíamo-nos pelo Pik Korjenyevska. Tomámos esta última opção.
Partimos após dois dias de descanso. Eu não calçava meias pois tinha os dedos dos pés inchados devido ao frio muito intenso que sofrera no Pic des Quatre, pois certamente tinha apertado demasiado as botas reduzindo a circulação. A médica russa que me tratou disse-me que teria sempre que sentir os dedos, caso contrário que descesse imediatamente. A minha apreensão era grande mas a vontade de chegar ao cume muitíssimo maior.
No segundo dia de escalada chegamos ao campo 2 após uma longa e bonita travessia em neve com o tempo a piorar bruscamente: a temperatura e a neve a caírem auxiliadas por um vento gélido.
Este campo a 6000m, situa-se sobre o ombro da aresta noroeste e o espaço é escasso para as nossas tendas. Para cada um dos lados um descuido tem como consequência uma queda de muitas centenas de metros. Já lá se encontravam três tendas e pouco espaço restava para as nossas - tivemos de escavar a aresta de neve para o obter. Dois a dois revezávamo-nos na pá e no piolet (2) com frequência pois o esforço deixava-nos terrivelmente ofegantes.
Este contratempo atrasou-nos imenso o descanso. Quando devíamos estar deitados às 20h ainda esperávamos impacientemente que a neve fundisse. São necessárias cerca de duas horas para fundir os cinco litros de água para cozinhar e encher os nossos três cantis. A esta altitude, embora utilizássemos mistura de butano e de propano, a baixa pressão e o frio reduzem muito a eficiência do fogão. Em contrapartida, cozinhar é rápido pois os alimentos são liofilizados - tudo fica pronto em cinco minutos.
Acordámos com um sol radioso e com um ar calmo e fresco. Por cima de nós tínhamos uma secção de corda fixa em terreno misto (3) com alguma escalada em rocha. A seguir iniciava-se a longa aresta de neve que findaria no cume.
Uma equipa de japoneses descia com minuciosas medidas de precaução. Nós, como de costume, com a corda guardada na mochila, e bastões de ski em vez do usual piolet.
As mochilas pesam e o ritmo é lento: dezoito a vinte quilos às costas a esta altitude exigem um dispêndio de energia que deve ser muito controlado. Cada passo é medido, estudado e ponderado nas fracções de segundo que o precedem; os movimentos da coluna, da cabeça e dos braços estão em perfeita sintonia com o movimento das pernas para eliminar todo o desperdício de energia.
Chegámos ao campo 3 a 6200m onde se encontravam várias tendas. Os seus ocupantes que não tinham subido para tentar o cume, tinham-nas deixado guarnecidas e regressado ao acampamento base para melhor descansarem. É que nestas altitudes o organismo não regenera: ou se chega aqui com reservas vitais e morais para continuar a ascensão ou é preferível descer para melhorar a condição.
Vários alpinistas conversavam alegremente de tenda para tenda ao som do rugido surdo dos fogões que fundiam neve. Era fácil de detectar os que tinham descido do cimo nessa tarde pelo seu ar tenso e fatigado, pelas suas olheiras e a pele muito queimada do sol.
No momento em que sentados sobre as mochilas abríamos os cantis, um "parapente"(4) descontrolado abate-se à nossa frente. O piloto aos rebolões na neve, debatendo-se com os seus inúmeros cabos, consegue travar a queda para o abismo.
Resolve tentar de novo regressando ao ponto de partida.
Pouco depois retomamos a marcha. A nossa táctica consistia em subirmos mais uns duzentos metros para encurtarmos a etapa do dia seguinte ficando assim mais próximos do cume.
Deixando os meus companheiros continuar sentei-me na neve um pouco acima do parapentista para tentar conseguir uma boa fotografia. Não suspeitava que teria de esperar uns bons quarenta minutos pois a insegurança e o medo eram notórios no seu comportamento.
Lançou-se finalmente, mas novamente de forma precipitada. A vela tornou a não estabilizar e enrolou-se, mas agora era tarde demais. O piloto francês e o parapente desapareciam na vertente abrupta.
Fui encontrar as nossas duas tendas já montadas num local bem protegido do vento pela aresta de neve. De novo, enchemos um saco de neve para fundir, instalamo-nos na tenda e esperamos impacientemente pela água da nossa sobrevivência. Os alimentos têm um sabor terrível e temos de obrigar-nos a engoli-los rapidamente - é a altitude que nos provoca este mal-estar característico.
Como de costume, enfiamos tudo o que gela dentro do saco-cama: cantil, luvas, botas, máquina fotográfica. O espaço na tenda é diminuto e o desconforto é grande - para poupar peso havíamos decidido utilizar uma tenda dupla para nós os três.
Sete horas da manhã e o céu está descoberto, o ar calmo e o frio muito intenso. O silêncio é absoluto. Os cumes mais elevados começam a ser banhados pelos primeiros raios do sol.
De novo, fundimos neve para um chá bem quente, que acompanhamos com biscoitos. Os preparativos decorriam em silêncio pois, além de estremunhados, pairava sobre nós a incerteza quanto ao sucesso desta expedição. Muito embora as mochilas estivessem preparadas de véspera, tornámos a verificar tudo. Sairíamos o mais leves possível levando somente o estritamente necessário para alcançar o cume e regressar à tenda.
O Jeff estava tão ansioso que partiu à frente de todos. Eu debatia-me com as correias dos crampons (5) que gelaram durante a noite - com dois pares de luvas calçadas a tarefa exige perícia e muita paciência que nessa altura não abundavam. O Alain que esperava por mim, sentiu-se a arrefecer demasiado e partiu. Na tenda ao lado, o Patrick e a Isabelle, não davam mostras de grande actividade.
Embarquei finalmente numa viagem memorável. O silêncio era total e a paisagem gelada fazia-me sentir num mundo irreal. O avanço era terrivelmente lento devido às limitações da altitude e as noções de tempo e de espaço assumiam aqui outra dimensão. Uma dimensão totalmente desproporcionada e muito difícil de aceitar pois este é um jogo muito diferente dos outros: o elevado sacrifício físico e psíquico a que nos submetemos produz, por unidade de tempo, um avanço muito modesto e pouco compreensível ao olho vulgar.
Muito embora a forma física seja determinante é a vontade que é posta à prova. Na prática do alpinismo o desenvolvimento dessa vontade ao longo dos anos é crucial para se atingir o sucesso. É que somos confrontados regularmente com situações de risco que facilmente corroem essa determinação e que podem servir de pretexto bastante para se desistir da ascensão - às vezes a tentação é enorme, e vai crescendo à medida que estamos mais alto.
Olho para cima e vejo os meus dois amigos distanciados um do outro - parecem-me muito longe - o cume, nem falar. Nem quero sequer pensar. Concentro-me somente em manter um ritmo estável, e em parar o menos possível. A boa economia do tempo numa ascensão reside em caminhar lentamente, no limiar aeróbico, e reduzir ao máximo as paragens. Elas são todavia muito necessárias para acalmar um pouco a hiperventilação, que é o estado exageradamente ofegante em que vivemos.
Vejo nuvens de neve em rodopio mais acima; envolvem o Jeff. Espero que o vento não aumente de intensidade. Já levo as mãos e os pés gelados. Experimento imaginar-me numa praia portuguesa em pleno Verão, mas a ideia não me traz qualquer conforto. O sacrifício é tão grande que me pergunto para que é que decidi meter-me nisto. Ninguém pode ter prazer nisto ! Que raio de ideia vir para aqui arrastar-me na neve, ao frio - nunca mais quero passar por esta ! Vai ser a última vez ! Mas, desistir é que nunca. Irei até ao fim.
De repente lembro-me dos meus pés e dos conselhos da médica. Paro para mexer os dedos e, felizmente ainda os sinto. Passo a fazer pausas mais longas para os ginasticar, o que me vai atrasando, mas paciência.
Sou ultrapassado por um grupo de alpinistas do leste que me cumprimentam com grande simpatia. Um deles, o Alex, arménio, sabendo da minha preocupação, mandou-me sentar na neve e deu-me uma vigorosa massagem nas pernas e nas coxas. Dizia-me, ofegante, que iria sentir mais calor nos pés o que, infelizmente, não me pareceu acontecer embora lhe dissesse que sim.
Vejo o Patrick e a Isabelle mais abaixo; deve separar-nos uma hora.
A certa altura deixo a aresta para entrar na face, abaixo do cume. Sem a acção do vento o calor faz-se sentir e perco a sensação de frio. Sou mesmo obrigado a despir o volumoso casaco de plumas.
De repente, reconheço o Jeff que desce. Explica-me que esteve no cume e que não se sente bem, tem de descer rápido. Pergunto-lhe se falta muito - responde-me que o cimo é já ali, talvez mais cinquenta metros de desnível.
Não acredito ! Pela escala do cume parecia-me que estava ainda muito longe - mas que ilusão !
Quando cheguei ao topo, a 7105m, encontro o Alain só, sentado na mochila. Damos um forte aperto de mão. O contentamento é enorme e trocamos de máquinas fotográficas para registar o acontecimento.
O desejo de ali permanecermos é grande e passamos mais de uma hora sentados nas mochilas, apreciando o espectáculo de cumes nevados e de glaciares que se sucedem para lá da linha do horizonte. Não nos cansamos de elogiar as enormes beleza e grandiosidade do panorama em redor.
Chegam a Isabelle e o Patrick, depois uns canadianos e uns checos. Fotografias para todos - é o ritual da troca das máquinas fotográficas. Mas a alegria e a excitação não são exteriorizadas: a energia é já pouca e ainda nos preocupa a descida.
"Que c'est beau !", não nos cansamos de repetir. O nosso esforço é compensado com este sentimento indizível de satisfação e de plenitude, de domínio sobre o monstro debaixo de nós.
O espaço perde-se por cima de nós, sem limites físicos, a mente perdida no infinito, acima das coisas terrenas.
Gonçalo Velez

1990

NOTAS:
(1) - Corredor: canal coberto de gelo que desce do cume de uma montanha
(2) - piolet: picareta de alpinismo
(3) - terreno misto: rocha, neve e gelo
(4) - paraquedas dirigível
(5) - placa de aço de 12 pontas que se aplica na sola das botas


Nota: Estas são as primeiras escaladas portuguesas a cumes de mais de 6000m e de 7000m, realizadas em Jul 90.

La Haute Route

La Haute Route 4000 de Zermatt em skis

A contemplação destas altas paragens nevadas e selvagens, no silêncio, deixa-me alheio ao passar do tempo, e era usual atrasar-me em relação aos outros.
Desde manhã cedo que a intensidade do vento crescia e o ambiente vinha a adquirir um aspecto irreal pois estava saturado de minúsculos cristais de neve que cintilavam, em turbilhão, ao sol. Nesta densa névoa luminosa tinha deixado de ver o João (5) e os outros do grupo - apenas lhes seguia o rasto dos skis.
Á medida que ia subindo o vento tornava-se mais intenso e mais gélido, e perguntava-me se o refúgio estaria próximo. A minha situação tornava-se alarmante pois não estava equipado para suportar este frio tão penetrante durante muito mais tempo. O meu corpo começava lentamente a esfriar, sobretudo nos joelhos, que já davam sinais de terem ultrapassado o limite aceitável, e a cara, onde sentia o sangue a querer brotar do nariz e a solidificar na narina.
Não podia parar para melhor me agasalhar pois o rasto do resto do grupo desvanecer-se-ia em pouco tempo e, perdido neste temporal, não escaparia. Restava-me continuar a resistir e confiar que a cabana Marguerita me aparecesse a todo o momento.
O teleférico do Kleiner Matterhorn deixa-nos a uma altitude de 3884m, poupando-nos tempo e energia para atingirmos o planalto Rosa.
O nosso propósito era fazermos a travessia de toda a cumeada a sudeste de Zermatt, mais conhecida pelos 4000 de Zermatt ou a mais elevada Haute Route dos Alpes, escalando os seus cumes principais.
O Breithorn (4159m) é o primeiro, está próximo da saída do teleférico, e logo para lá nos dirigimos sob um sol radioso. Ofegantes, devido à falta de adaptação à altitude, paramos regularmente para recuperar o fôlego. Os nossos skis, equipados com fixações articuláveis e em cuja sola se colam peles de foca permitem caminhar, mesmo a subir. (1) (2)
Em pouco tempo chegamos ao colo onde a vertente se transforma numa aresta afiada, descalçamos os skis para os substituírmos pelos crampons (3) e largamos as mochilas.
Havia alpinistas sentados ao sol apreciando o panorama e cruzamo-nos com outros que regressavam do cume, trocando-se saudações e informações.
Descidos do cume, foi só descolar as peles e prender as fixações para deslizarmos rapidamente para sudoeste, pelos flancos do Breithorn, entrando em território italiano. Na carta estava marcado um abrigo de seis lugares, o bivaque Giorgio Cesare, ao cimo do Grande Glaciar di Verra a 3700m.
É um meio cilindro de alumínio no alto de uns rochedos e, para lá chegarmos, tínhamos de escalar uma forte vertente de neve. Mas, também não era necessário: já estava ocupado !
Eram germanófonos e tinham tido a preocupação de cravarem uns skis em cruz nessa vertente, e de nos gritarem como loucos, para avisar que estava cheio.
O refúgio mais próximo estava a 3004m de altitude, o Mezzalama - nem sequer pensámos em desviar caminho, e muito menos perder altitude: dormiríamos ali mesmo.
Com as nossas pás de avalanche cavámos um belo abrigo na neve com espaço para nos deitarmos os dois ao comprido, e pé-direito suficiente para nos sentarmos: un grand luxe, que até umas prateleiras lhe escavámos.
Estávamos a cozer esparguete, apreciando um sereníssimo crepúsculo, quando três alpinistas passaram por nós e se dirigiram de forma determinada para o abrigo, ignorando os avisos que vinham de cima.
"Ainda bem que optámos pela independência", disse para o João, "ninguém vai dormir confortável naquela lata sobrelotada".
Na manhã seguinte iríamos atravessar o cume do Castor (4221m) para o refúgio Quintino Sella a 3585m.
Antes fizemos um ligeiro desvio para escalarmos o Pollux (4092m), com a sua virgem de bronze cravada no cume.
Depois dirigimo-nos para a vasta face do Castor, onde já se notavam alguns grupos de ski-alpinistas partidos do Mezzalama de madrugada. Sabíamos que esta face era enfadonha por que na véspera tínhamos estado a seguir um solitário que se arrastava por ela acima, e só chegaria ao cume ao anoitecer. Certamente que foi obrigado a bivacar abaixo do cume devido à escuridão.
Uma ascensão com skis obriga a descrever v's para trás e para diante, tal como uma estrada que serpenteia numa encosta abrupta.
Pouco antes do cimo formavam-se grupos que, sentados na neve, faziam circular termos e biscoitos em alegre camaradagem. Notavam-se os menos experientes pelas suas expressões de tensão e de fadiga.
Faltava pouco para chegarmos ao cume.
Desceríamos pela outra face, com troços de ski delicado e outros de grande velocidade, até chegarmos ao refúgio Quintino Sella, onde secavam já vários pares de skis e suas peles, a maioria vindos de Itália.
Os locais públicos dos refúgios alpinos compreendem o refeitório, onde são servidas todas as refeições, e os dormitórios, cada quarto com dois níveis de plataformas alcochoadas sendo fornecidos um cobertor e uma almofada por pessoa. Não são locais para proporcionar grande conforto pois todos os que os frequentam são grandes amantes do ar livre, e servem somente para pernoitar.
No dia seguinte o sol regressa radioso, o ar muito calmo e fresco. Após o pequeno almoço tomado à pressa, forma-se um ajuntamento à porta do refúgio pois todos ansiamos por partir quanto antes. Os mais desastrados resvalam na neve pisando os skis do vizinho. Todos se equipam ao mesmo tempo numa confusão colorida de equipamentos dispersos em redor e ouvem-se comentários e exclamações em diferentes línguas.
Na tranquilidade luminosa da manhã formam-se duas colunas: uma dirigi-se para o Castor, a outra continua para leste, rumo à pequena cabana Marguerita, com 20 lugares, o refúgio mais alto da Europa a 4554m.
Saímos do glaciar di Felik para o ghiacciaio del Lis onde continuamos sempre ladeados pelas vertentes geladas e abruptas da cumeada do Liskamm (4527m). Preocupa-nos as densas nuvens de neve que observamos lá em cima na aresta, sinal de vento muito forte.
O glaciar de Lis está dividido em dois por uma monstruosa bossa de gêlo, Il Naso, um glaciar suspenso que desce do cume do Liskamm. A sua travessia é muito delicada pois está coberto de neve gelada. A zona superior está já exposta às rajadas de vento que nos ameaçam fazer escorregar. Somos um grupo de uns quinze que avança cuidadosamente. Quando prevemos uma rajada estacamos, cravamos bem os bastões na neve e inclinamo-nos na direcção do vento. Uma queda aqui poderia ser fatal.
Passada esta dificuldade, seguem-se vertentes suaves passando-se por zonas protegidas pelos flancos do Liskamm, onde o vento cessa e sentimos um enorme calor provocado pelos raios solares e a sua reflexão na neve.
Um dos nossos objectivos era escalarmos o Liskamm.
Chegados à base da sua via de ascenção o vento fustigava terrivelmente e estávamos convencidos de que teríamos de sofrer muito para chegarmos ao cume que não estava próximo. Um guia suíço com o seu cliente tomou a iniciativa e decidimos ficar a observar para ver qual era o resultado. Foi a única cordada, além de nós dois, que considerou esta ascenção.
Logo que deixámos de vê-los, definimos um período de tempo de espera a partir do qual seguiríamos no seu encalço.
Não demorou muito para que os víssemos descer, com neve entranhada em toda a roupa, sobrancelhas e barba, desmoralizados com tão curta tentativa. Ach mensch, du liebe zeit...!, exclamavam irritados.
Para se chegar à cabana Marguerita, situada no topo do Signalkuppe (4554m), tínhamos de descer primeiro a uma ampla depressão glaciar, o Lisjoch, para depois continuarmos para cima. Foi o seu agradável micro-clima, protegido dos ventos, que me atrasou, provocando uma situação crítica alarmante em que cheguei enregelado ao refúgio.
Todos os refúgios europeus têm de se encontrar abertos durante todo o ano pois a sua função é, desde sempre, albergar alpinistas em dificuldade. Quando não estão guardados, têm de manter aberta uma ala: o refúgio de Inverno, que pode ser só uma sala.
Este tinha dois dormitórios abertos, a sala de refeições e a cozinha fornecida de gás. Mal entrei, senti o ambiente de cálida e reconfortante humidade, criado pelos pequenos fogões de cada equipa, e pelo fogão da cozinha, onde um panelão estava permanentemente a fundir neve para toda a gente.
Fui calorosamente acolhido com um copo de chá fumegante oferecido pelo João, e foi com avidez que despi os agasalhos e descalcei as botas para me acercar da zona da cozinha donde se propagava o calor.
Os nossos companheiros, suíços, italianos, austríacos, alemães e espanhóis ocupavam o tempo das mais variadas formas: lendo, dormindo, cozinhando, jogando cartas, tagarelando, organizando o equipamento ou pasmando de cansaço.
O vento começou a amainar e logo pudemos saír para apreciar um pôr do sol apocalíptico, de grande profusão de côr e de luz estampados nas distantes nuvens. Uma excelente recompensa após a provação do final de tarde.
Este refúgio tem uma situação única pois foi montado exactamente no cume da montanha sobre uma plataforma construída de madeira. Está preso por diversos cabos de aço que o sustentam nos piores vendavais e a sua traseira pende sobre um estonteante precipício.
De manhã, acordei com uma potente dôr de cabeça e com os olhos muito inchados, sinal de uma ainda fraca adaptação à altitude. O João e vários outros também, a avaliar pelos ares apáticos. Sabíamos que perdendo altitude o mal desaparecia, mas a dificuldade residia exactamente em mover-nos !
Mesmo assim, aproveitámos a manhã para escalar dois cumes nas redondezas: o Zumstein Spitze (4563m) e o Parrot Spitze (4432m).
Depois calçámos as tábuas e descemos o longo glaciar Grenz rejubilando de prazer pela grande velocidade que a boa neve nos permitia alcançar. De vez em quando tínhamos de parar para descontraír as pernas pois a descida era muito longa.
O nosso objectivo seguinte era o Dufourspitze (4634m), o segundo cume mais elevado da Europa, mais conhecido pelo Monte Rosa. Estudando a carta, constatámos que o refúgio que lhe dá acesso, o Monte Rosahütte, se situava muito em baixo, a 2795m. Não valia a pena descermos tanto para tornarmos a subir pelo mesmo caminho na madrugada seguinte. Assim, resolvemos bivacar a meio do caminho, mas não sabíamos bem aonde. Atravessámos para o Rosagletscher a uma cota de 3500m e subimos pelo glaciar até encontrarmos um local apropriado.
Sentia-me contente por dormir novamente ao ar livre, num buraco escavado na neve. A sensação de solidão no majestoso silêncio de fim de tarde na montanha, apreciando a última luz do dia e fazendo parte desse crepúsculo, é de uma poesia indescritível. Sabemos que somos as únicas almas nas redondezas e que estamos irremediavelmente sós !
O dia raiou resplandecente, e saímos da nossa toca logo que os raios do sol chegaram até nós. A umas dezenas de metros passavam grupos de alpinistas provenientes do Monte Rosahütte que, com ares estremunhados, subiam lenta e silenciosamente no ar gelado. Nós os dois, que havíamos dormido muito bem, não nos cansávamos de elogiar a decisão que nos permitiu acordar tarde, e ainda para mais com toda a privacidade e em silêncio.
Após um chá com biscoitos, iniciámos uma longa ascensão até ao colo do Dufourspitze. A última centena de metros seria delicada devido à vertente muito abrupta e à neve ainda gelada. Neste tipo de condições, a única defesa que temos contra os escorregões é que os nossos reflexos nos possibilitem travar de imediato a queda com as arestas do ski, pois se tombamos já não há safa possível.
No colo já se encontravam umas dezenas de skis espetados na neve. A partir daqui usávamos os crampons e o piolet (4) para escalarmos a aresta de cerca de trezentos metros de neve, gêlo e rocha.
O panorama tornava-se cada vez mais magnífico e, através do ar límpido, conseguíamos alcançar todos os grandes cumes do Valais entre os quais, e muito próximo, o conhecido Cervin, ou Matterhorn, (4477m).
Pouco abaixo do cume havia algumas passagens delicadas que provocaram ajuntamento e tempo de espera, especialmente devido a um grupo de principiantes de um clube suíço acompanhados por guias.
No cume, além das placas comemorativas e religiosas em bronze, cravadas na rocha à boa maneira suíça, encontrava-se uma caixa de folha que continha um livro onde cada um inscrevia o seu nome. Esse acto simples e simbólico deixou-nos o grato sentimento de que ficaríamos ligados à História daquela montanha.
A descida para Zermatt iria ser longa e fastidiosa: cerca de três mil metros de desnível, quase sempre em skis, enfrentando todo o tipo de neves e de vertentes.
O término do Grenzgletscher, uma longa e ampla planície glaciar, oferece o enorme prazer de deslizarmos suavemente mais de uma hora, atordoados de cansaço e com os pensamentos suavemente embalados.
Entramos na zona de sombra no final do glaciar, sinal de que o nosso périplo está prestes a acabar.
Olhamos para trás e observamos pela última vez o Monte Rosa, majestoso e resplandecente sobre o céu azul.


Gonçalo Velez
1989


(1) - As peles são coladas sob os skis com o pêlo dirigido para trás o que permite a necessária aderência mesmo para subir.
(2) - As fixações dos skis permitem duas posições: marcha, em que a bota articula num movimento de marcha natural presa ao ski no seu extremo posterior e, descida, em que o calcanhar da bota se fixa ao ski e todo o conjunto funciona como se fosse um normal ski de pista.
(3) - Crampons: placas de aço com 12 pontas cada que se aplicam na sola das botas para caminhar no gêlo.
(4) - Piolet: picareta de alpinismo

(5) - O João referido no texto é o Garcia.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Parte 2- Ascensão Portuguesa ao Cervino/Matterhorn 1982


Nova alvorada, e dirigimo-nos, com carga máxima na mochila e todos os nossos haveres de férias para o col “Durand”, tido como fácil, mas habitualmente com o gelo vivo e bem empinado. As mochilas estão enormes. Dentro da minha velha “Karrimor Dougal Haston Alpinist”, de 65+15 litros, levo todo o arsenal de montanha comigo. Botas, ténis, tudo. Além de que a maioria do material não é um exemplo de leveza e tecnicidade, como hoje se verifica com as fibras sintéticas e as capas de Goretex. Fazem parte do equipamento camisolas de malha e umas calças de ski, com risca lateral e tudo (compradas nos “Grandes Armazéns do Chiado”, entretanto consumidos pelo grande incêndio). Mas tenho uma corda acabada de comprar em Chamonix, que é o meu orgulho deste verão. Os mais bem equipados são o Paulo Alves (para quem olhamos como rico) e o Pedro Cid, por terem ambos ordenado (de geólogo e arquitecto, respectivamente). Tanto eu como o Jorge somos estudantes, e andamos nesta vida com as mesadas acumuladas ao longo de 10 meses. Ainda assim, o Pedro subiu o Cervino com um arnês integral improvisado, feito de fita plana, devidamente aparelhado com nós.

Glaciar longo, sem ninguém, com o caminho a ser traçado por nossa conta, à vontade do freguês. No “col” deparamos com um guia suíço, daqueles da velha guarda (com piolet enorme de cabo de madeira e lâmina recta, com apenas dois dentes na ponta) acompanhado de meia dúzia de jovens. Dava uma belíssima demonstração de domínio das técnicas clássicas, a cavar degraus para os clientes com grande afinco e rapidez. Deliciados com a benesse, subimos atrás dele, sem dificuldade, o que não teria sido o caso, se tivéssemos de talhar nós, ou montar corda. De enfiada subimos a “Pointe de Zinal”, fácil, bonita, simpática, com gelo no início e uma aresta de rocha no final. O gelo gemia e quebrava. Reparei que o Paulo Alves, com a sua experiência e dedo para “adivinhar” avalanches de placa, não estava nada confortável com os ruídos que a placa emitia. Passou-se o perigo e a desconfiança, chegámos à rocha e lá atingimos cume, sem história. Se desde Zinal, este pico impressiona, reinando e culminando a cabeceira do vale. Agora ali, com a Dent Blanche e o Cervino ao lado, parece minúsculo, com os seus escassos 3.800 metros, diminuído pela concorrência. Descida rápida, novos suores frios nas placas de gelo e retomamos o caminho normal para o refúgio de “Shonbielhutte”, não guardado neste meio/final de Agosto, para uma noite sem história, felizmente gratuita.

Na manhã seguinte, continuação da descida para o vale de acesso a Zermatt, com o Cervino bem defronte da nossa vista, preenchendo a nossa mente. A neve fresca, caída dois dias antes, preocupa-nos. A aresta de Hornli é uma subida em rocha, que a neve pode dificultar em muito. Aguardamos o evoluir natural da situação. Só em Staffel conseguimos apanhar o caminho de acesso ao refúgio de Hornli (na realidade um refúgio e um “hotel” de montanha, lado a lado). A alternativa para não ir dar a volta a Staffel era subir pela face norte, um pouco fora das nossas capacidades (se bem que na altura não fosse coisa que não passasse pelas nossas cabeças sonhadoras). Com a chegada ao refúgio, as primeiras notas fortes de proximidade: aresta impressionante, opressora mesmo; uma boa dezena de placas invocando a morte deste ou daquele alpinista, com maior representação para americanos; com o final da tarde e o cair da noite, uma cena inesperada e marcante: dezenas e dezenas de frontais acendem-se pela parede acima, provenientes de pessoas que não conseguem chegar ao refúgio com luz. Alguns ainda vão chegando na 1ª hora de escuridão, outros vão-se apagando pelo caminho, por cansaço, por falta de baterias, por medo de uma queda.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Competições de corrida de montanha - Trail running


Este FDS a Desnível esteve presente na corrida de montanha dos 13 km do Guincho, com 3 homens e duas meninas.O Miguel Fernandes foi 28º em 227 atletas (da equipa de Eco-Aventura).

A propósito das corridas de montanha, sempre interessantes e desafiantes, aqui vai uma visão “Impressionista” das várias provas disponíveis:


1-MIUT (Madeira International Ultra Trail) 5/09. travessia de 105 km de toda a ilha da Madeira: uma maneira óptima de conhecer a ilha num só FDS. A parte da subida é deliciosa, as descidas são atrozes. As levadas são perigosas, sobretudo em 2008, sempre a chover. Só recomendo depois de duas Freitas concluídas em boas condições. O ano passado o percurso esteve mal marcado, chegaram a andar 30 pessoas perdidas logo no início da prova. Este ano a partida passa da Ponta do Pargo para Porto Moniz, com oferta hoteleira. Bonito, mas muito duro.


2-Ultra Trail da serra da Freita 51/ 60 Km. 5/07. Tem tido uma extensão de 51 Km, mas este ano vão ser 60 km, para preparar os futuros 70 da 5ª edição. A prova mais bonita de Portugal continental, e a mais dura. Tem 1 km dentro do rio Paivó que demorei 59 minutos a fazer! Ritmo alucinante e perigoso, dentro de calhaus rolados e escorregadios. Descidas brutais, subidas desafiantes. A partir do km 25, depois do trilho dos Incas, começa a rolar mais, felizmente. Todo o montanheiro devia fazer a Freita uma vez na vida.

3-46 km da Geira Romana. 7/06. Fácil, apesar de ser sempre a subir até ao km 40. Sobe suavemente e deixa ir sempre a correr. Os romanos eram mestres a aproveitar as curvas de nível para subirem o menos possível. Logística cada vez mais difícil. Este ano os dorsais e o transporte são em Espanha, em Lobios, onde já acabou o ano passado. São João do Campo tem o Parque de Cerdeira, excelente para acampar. Só com carro…

4-Transestrela: 2/08. já teve vários formatos, entre 40 e 44 km, e de início até com 2 dias de prova. Tem tido muita variação, mais e menos pista, muita subida, pouca subida. Agora cristalizou nos estradões do Sameiro. Fácil, apesar dos 42 km. Sobe pouco, de início, tem uma zona mantida a meio, desce tudo no final (duro). Gostava mais antigamente, em trilhos, em que fazia todos os anos. Agora é só fazer km’s.

5-Manteigas – Penhas Douradas. Março. A prova mais antiga em Portugal. Apesar de ter 50% do percurso em alcatrão, sobe muito, e é sempre agradável de fazer. Centenas de participantes. Bom para os estradistas.

6-Caminhos de Santiago. 1 a 3 de Maio. Prova de 3 dias, que nunca fiz. Como os km’s vão acumulando, imagino que deve ser dura. Provavelmente uma seca.

7- Monge. 4/10. Em Janes, Malveira, como a do Guincho. Muito parecida, recomendo.

8- Monsanto verde. 30/08: 12 km, em Lisboa. Recomendo.

9-AX trail. 20 e 21 de Junho. nunca fiz, parece que é giro. Este ano são 2 ou 3 provas diferentes, na região centro. Para 2011 está previsto um AX Trail de 100 km!

10- 28 km trilhos do Pastor. 30 de Março, em S. Mamede, Fátima (Reguengo do Fetal). Rolante, giro, dá para fazer uma via pelo caminho, passamos na parede de escalada.

11- 20 km dos 3 cântaros. 31 de Maio, próxima prova. 10 a subir, 10 a descer. É só subir à Torre e voltar. Bonito. Trilhos técnicos, nomeadamente o do Espinhaço, que foi todo limpo graças a esta prova. Descida pelo Terroeiro, alucinante.

12 - Km vertical do Colcurinho. 16 de Agosto. Serra do Açor. 1.000 metros de desnível em 8 km’s. Sensacional. Levar batons. Pista muito empinada.

13- Escalada do Mendro. 11 de Junho, feriado nacional. Não se iludam com o nome. 10 km com metade em alcatrão plano e uma bela subida às antenas da serra do Mendro. Alentejo no seu melhor. Pouco “montanha”.Texto e imagens cedidos por Rogério Morais

Se já tiveres feito alguma destas provas deixa tambem o teu comentário!

sexta-feira, 15 de maio de 2009

1982-Ascensão Portuguesa ao Cervino/Matterhorn - Parte 1


Corria o ano de 1982. Nos anos anteriores tínhamos batido com alguma frequência o maciço dos “Écrins”, dada a presença no parque do centro escola do CAF, em La Bérarde, e este ano não tinha sido excepção. Foi uma longa tirada de montanha nos Alpes, entre 29 de Julho e 25 de Agosto. No dia 1 comecei o curso de “Initiateur”, que durou 14 dias, com vários picos no parque d’Oisans, e apenas 1 cume de 4.000, a “Barre des Écrins”. O nosso Guia era o Paul Chassagne, que era para nós um ídolo e um verdadeiro mestre, com os seus 60 anos já feitos, com o seu mau feitio, a sua exigência desmedida, a sua pedalada inalcançável, mesmo para putos com 20 anos como nós. A “Acompagnatrice”, ou monitora auxiliar, Daniéle, também namorada do Paul, tinha a nossa idade e era maior que qualquer um de nós. Enorme.

A meio de Agosto, uma rápida passagem por “Chamonix”, onde nos reunimos todos com um encontro na casa dos Guias, e a 18 mudámos para Zinal:O grupo era constituído pelo Paulo Alves (o mais experiente de todos, com quem tinha feito a directa “Renaudie” no “Dent du Requin” no ano anterior), o Pedro Cid, meu companheiro de cordada e mentor de vida, o Jorge Matos, com menos experiência, mas sempre de bom humor, e eu próprio, Rogério Morais, já algo cansado após 3 semanas em montanha.

Logo no dia 19 iniciámos a subida para o refúgio “Grand Mountets”, ainda pelo caminho antigo da margem esquerda orográfica, difícil e algo perigoso, com algumas cascalheiras instáveis que levaram ao seu encerramento passado uns anos. Como de manhã foi preciso providenciar a logística de comida, gás e abastecimentos vários, a saída ocorreu já para o tardote. Eu fui ficando para trás com o Jorge Matos, e já não me lembrava que o caminho era muito, muito longo.Nesta versão antiga, tínhamos a obrigatoriedade de atravessar o glaciar por baixo do refúgio e subir toda a moreia, muito alta e escarpada. Como estava a ficar de noite e o glaciar se apresentava crevassado, apesar de muita pedra, achámos aconselhável calçar os crampons. É então que o Jorge Matos puxa da caixa de cartão dos crampons acabados de comprar na sua adorada “Villadomat” andorrenha, ainda com preço e tudo, e obviamente não regulados para a bota do bicho. Como devem imaginar, passei-me. Completamente… Penso que não cheguei a bater-lhe, mas pouco terá faltado. Resolvido o “pequeno” contratempo, com recurso a canivetes vários, Opinel, suíços, portugueses, lá conseguimos enfiar os crampons nas botas dele e prosseguimos caminho, praticamente de noite cerrada. Na outra margem, onde o Pedro e o Paulo já tinham chegado ao refúgio, víamos a luz acesa da entrada, de onde o guarda chegou até a lançar um “very light”, mas que para nós de pouca ajuda era: sabíamos onde estava o refúgio, onde estávamos nós, mas a grande questão era encontrar o caminho para subir a inclinada e escorregadia moreia arenosa, de saibro glaciar, escura como breu. Dentro ou fora do caminho, ainda hoje não sei, lá ultrapassámos este obstáculo, muito perigoso, e chegámos ao refúgio, onde entregámos a nossa comida para o guarda cozinhar, uma originalidade suíça, entretanto quase em desuso, devido à generalização da compra do jantar em altitude, qual restaurante com boas vistas. E que vistas tem o refúgio dos “Grands Mountets”! Para Sul, o Col Durand e a ponta de Zinal, ladeada pela Dent Blanche e pelo Obel GabelHorn. Para Oeste o Zinal Rothorn e o Trifhorn, mesmo ali à mão de semear, com enormes glaciares à volta.

No dia seguinte, o tempo estava completamente coberto e subimos até à “Arete du Blanc”, no Zinal Rothorn, com a secreta esperança de que o tempo viesse a melhorar e de que pudéssemos fazer este 4.000. Claro que se na alvorada estava mau, ao longo da manhã foi de mal a pior, e na afilada aresta de gelo mal dava para ver o companheiro de cordada. Meia volta, imediatamente antes da cota 4.000, e descanso para o refúgio. O dia seguinte ia ser longo.

Fim da Parte I:
Texto e fotografias 1,3 e 6: Rogério Morais
Fotografias restantes: Tiago Pais

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Encontro de Escalada Clássica Desnivel

Nos dias 01, 02 e 03 de Maio as falésias da Barragem de Sta Luzia foram palco do Encontro de Escalada Clássica, inicialmente marcado para os Galayos mas que por motivos de prevenção/segurança, mais especificamente devido ao excesso de neve ainda existente, teve de ser alterado.

O encontro contou com 13 pessoas (tendo sido formadas 6 cordadas) vindas um pouco de toda a parte do país: norte, centro e sul.








Fotografias de António Afonso. Mais imagens aqui

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Diabéticos Portugueses Escalaram o Aconcagua (6962m)










É com enorme alegria que venho partilhar convosco a notícia de que foram dois portugueses , os primeiros diabéticos insulinodependentes no mundo a subir o Aconcagua pela via transversa dos polacos. (Recordo que apenas 40% das pessoas que tentam esta via conseguem fazer o cume).
Foram eles o
Frederico Teixeira e o Paulo Carrilho com quem, no dia 21 de Janeiro alcancei o cume (6962m) ás 13.30h após 8h de ascensão.
O 3º participante,
Carlos Neves, o mais jovem, conseguiu atingir os 6000m onde teve de ficar por sintomas graves de mal de montanha. A ascensão, embora muito dura, correu sem qualquer percalço no que respeita ao controlo da diabetes. Oito horas e meia a subir e três e meia a descer decorreram sem hipoglicemias nem qualquer outra complicação.
Atingimos o nosso objectivo de contribuir de forma inequívoca para a desmistificação da diabetes como doença incapacitante. A diabetes permite a realização de todos os sonhos, desde que se aprenda a gerir o controlo metabólico em todas as situações. Os diabéticos portugueses estão de parabéns por esta lição de felicidade que deram ao mundo.
Foi com o enorme esforço pessoal, de cada um dos participantes, quer na organização prévia, quer durante a sua realização, que esta expedição foi feita. Não posso deixar no entanto de agradecer:
-Aos meus filhos, Bruno e Guilherme que prescindiram tanto da disponibilidade da mãe durante a organização e da presença durante três longas semanas nas quais sempre torceram pelo meu sucesso.
-À minha Mãe
que prescindiu do meu apoio durante uma fase dificil da sua vida pessoal e apesar disso me apoiou sempre de múltiplas formas.
-Aos meus amigos Paulo
Martins e Irene Barram que me apoiaram muito e tomaram conta dos meus
filhos.
-À ADRN (Associação de Diabéticos do Ribatejo Norte) que ajudou com dedicação na organização da expedição.
-À Agência Lusa que apoiou o projecto, e enviou, um excelente profissional, o jornalista Mário Caetano que, alem da sua enorme dedicação técnica, revelou enormes qualidades humanas e capacidade de sacrifício.
-Aos nossos patrocinadores que acreditaram no sucesso e nos apoiaram permitindo esta realização:
_NovoNordisk
_Abbot
_Medtronic
_Enachi
_Stryker
-Aos meus amigos, (entre eles muitos jovens …e menos jovens diabéticos) que tanto nos incentivaram.
A todos, muito obrigada.

Sílvia Saraiva

Leia o relato desta aventura, o dia-a-dia por Paulo Carrilho aqui


sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Encontro informal de sócios na Estrela - I


No passado fim de semana de 20/21 de Dezembro de 2008, reuniram-se na Serra da Estrela 17 sócios da Desnivel (na verdade não tenho a certeza se eram todos sócios mas a grande maioria seria) para realizarem actividades de gêlo e neve!
Foram partindo da zona de Lisboa entre a noite de sexta e o dia de sábado mas com dois objectivos comuns: 1)aproveitar as boas condições de neve e gêlo que a Estrela apresentava na altura e 2) encontrarem-se todos por volta da hora de jantar para um jantar de convivio com um espirito muito Natalicio.
No dia de sábado três grupos que totalizavam 9 pessoas, dividiram-se pela zona do Planalto Central; dois grupos ficaram pelas escalada em gêlo nas zonas do Corredor Estreito e Corredor dos Mercadores;

o terceiro grupo fez a subida à Torre pelo Covão do Ferro (onde andam as fotografias Carlos?). O dia estava simplesmente fabuloso! Neve durinha, gêlo fácil de "picar", sol - onde não estava sombra ;) - e nem uma brisa. Além do mais, a visibilidade era tal que o sistema Central em Espanha parecia mesmo ali ao alcance de uma mão.
Depois de um preenchido dia de actividades invernais em ambiente primaveril, reunimo-nos todos (quase todos) ao fim do dia para o que terá sido, provavelmente, "o mais alto" jantar de Natal realizado em Portugal pois o local situava-se a 1650 metros de altitude! O convivio foi execelente com grupos vindos de diferentes zonas (Almada, Palmela, Lisboa, Caldas da Rainha) que se fizeram acompanhar pelas respectivas iguarias - principalmente queijos e vinho, chegando-se a gerar uma verdadeira competição sobre qual seria o melhor vinho! No fim das contas, nada ficou decidico não obstante as insistentes degustações de cada um dos exemplares a concurso!
O resto da noite foi passado em frente à lareira, a ouvir histórias de aventuras longiquas mas recentes de um dos presentes pelo pico mais alto da América do Sul, o Aconcágua.
Pouco antes da meia noite chegou, finalmente (!), o ultimo grupo (4 sócios - 2 meninas e 2 meninos!) acompanhado de uma bela sobremesa, o "Apfelstrudel", alto representante das iguarias alemãs. Infelizmente não houve tempo para tirar fotografias ao dito exemplar, mas posso assegurar-vos que todas as três fatias que comi estavam fantásticas! Por esta altura ainda haviam uns 2 maduros com ideias de ir escalar para o Corredor do Inferno à meia noite mas felizmente o vinho acabou por conseguir chama-los à razão e a tropa começou então a recolher aos respectivos aposentos. Totalizavam-se então, 14 sócios (se algum não era, de certeza que ficou cheio de vontad de ser!) e três sócias! Vá lá meninas para a próxima temos de melhorar este rácio!
O relato do dia seguinte seguirá em breve. Deixo-vos com esta imagem pensativa


(fotografias de: António Afonso, Pedro Cabrita e Tiago Pais)

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Ice Climbing Ecrins 2009

Para os adeptos da Escalada em Gelo, recomenda-se a participação da 19ª edição do "Fournel Meeting" que vai decorrer entre 8 e 11 Janeiro de 2009 nos Alpes.

A zona do Fournel é um dos locais dos Alpes mais emblemáticos para a escalada em gelo, onde abundam cascatas muito técnicas e permitem igualmente realizar percursos extensos com cascatas sucessivas.

As inscrições devem ser realizadas até 31 de Dezembro de 2008. Para inscrições e mais informação consultar http://www.ice-fall.com/.

Jornadas Técnicas de Canyoning

A Associação Desportos de Aventura Desnível, contando com a parceria técnico-cientifica da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril e da Escola Superior de Desporto de Rio Maior e do apoio da Diverlanhoso e da Câmara Municipal de Povoa de Lanhoso, organizou entre 14 a 16 Novembro 2008 as Jornadas Técnicas de Canyoning.
O programa contou com diversas sessões: comunicações técnico-científicas, workshops, descida de um canyoning e o simulacro de um resgate.
Estas Jornadas contaram com 70 participantes, estando representados diversos monitores, clubes, empresas e estabelecimentos do ensino superior. As Jornadas decorreram num ambiente bastante descontraído e participativo, tendo sido alcançados os objectivos propostos

Em breve estarão disponíveis as comunicações em www.desnivel.pt/canyoning
Para mais informações e balanço final das Jornadas consultar o blogue de canyoning da Desnível.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

MONTANHAS SUBMERSAS II

O verão foi passando, com a habitual nortada que se faz sentir aqui pela serra de Sintra, e foi já em Setembro que um dia o vento amainou o suficiente para permitir ir ao cume da Montanha de Camões... mesmo aqui ao lado...
22 kilometros a oeste do Cabo da Roca ergue-se a Montanha de Camões, um pequeno planalto com pouco mais de 4 kilometros de comprimento na sua zona mais larga. As paredes do Cabo da Roca descem aos 100 metros de profundidade para depois irem ascendendo muito suavemente até à escosta este da Montanha de Camões. Do outro lado, virado a oeste, a encosta desce de modo abrupto até aos 500 metros de profundidade e ainda mais longe, numa zona chamada (Vá lá saber-se porquê!) Mar dos Ursos baixa aos 1000 metros continuando a descer pelo Atlântico “a dentro”!
A profundidade do cume varia entre os 40 e os 50 metros.
Numa zona afastada da costa e exposta a correntes oceânicas e ao forte vento norte que se faz sentir no litoral oeste de Portugal, a Montanha de Camões não é um spot que conste da lista de locais habituais dos operadores de mergulho.
Pela distância a percorrer, e pelas habituais más condições de mar que se encontram, é uma viagem que tem de se fazer com segurança e, já agora, conforto, o que mais uma vez implica ter uma embarcação que não o habitual semi-rígido usado para o mergulho junto à costa.
No principio de Setembro a meteorologia foi favorável e o centro de mergulho EXTREMEDIVE, a operar a partir da Marina de Cascais, conseguiu coordenar uma ida à Montanha de Camões, a primeira desde Outubro de 2006.
Ao contrário do que encontramos no Gorringe, aqui não temos um pico nem uma linha de cumeada. O fundo de rocha é relativamente plano e coberto de altas laminárias, com um aspecto mais normal de “fundo do mar”! A costa está a distância suficiente para que os sedimentos e lôdo não afectem a visibilidade que aqui é igualmente excelente, de um azul “açoreano” a perder de vista.














Se este local proporciona um mergulho de excepção, a viagem com mar “chão” num dia de sol vale só por si. Mas este dia trouxe ainda algo que ninguém esperava!!! Sendo por estes dias cada vez mais comum observar golfinhos junto à costa (Passam em frente à Guia de vez em quando, e em Sesimbra vêem-se todos os fins de semana!) não é nada comum vê-los debaixo de àgua...
Mas neste dia foi o que aconteceu... Os curiosos golfinhos vieram espreitar os mergulhadores, fazendo umas quantas passagens por nós, de um lado para o outro, para de repente desaparecer sem aviso.

...e não é habitual ver golfinhos na montanha...





























As condições de mar permitiram lançar ferro e fazer um intervalo de superficie de duas horas, tal como planeado, efectuando ainda um segundo mergulho, voltando a Cascais pelo final da tarde. A viagem demora mais de duas horas.

Foi um dia bem passado na Montanha... de Camões.




Uma silhueta conhecida de muitos montanhistas...

Fotografadas a sul do Cabo Raso rumo a oeste, por entre a névoa matinal, a Noiva e a Ursa começam a aparecer atrás do Cabo da Roca.

MONTANHAS SUBMERSAS I



Com grande pena minha estou sem fazer actividades de montanha há mais tempo do que desejaria... Áparte uma ou outra caminhada serrana sempre agradável mas pouco digna de menção não tenho feito nada de montanhismo nem canyoning...
No entanto, neste ano de 2008, reuniram-se condições que proporcionaram duas idas à montanha algo diferentes das habituais...

A primeira foi no passado mês de Junho, nos picos Ormonde e Gettysburg, cumes da montanha submersa chamada Gorringe.
Entre Portugal Continental e a ilha da Madeira existe uma grande cordilheira submersa, com cerca de 5000 kilometros de comprimento, e no local em que atinge menor profundidade (ou maior altitude, se preferirem!) forma-se aquilo a que se chama um “Banco”, uma espécie de cumeada ou planalto mais alto. No caso do banco do Gorringe, que tem o seu sopé a cerca de 5500 metros de profundidade, os dois picos mais altos, baptizados pico Ormonde e pico Gettysburg, são altissimos, chegando a cerca de 30 metros de profundidade, ou seja, profundidades alcançáveis em mergulho com escafandro autónomo.
Como podem calcular não é um local onde se vá regularmente, tanto pela logistica envolvida, bem como pelas condições meteorológicas, que têm de ser ideais.
Tive a oportunidade de pisar, ou melhor, ascender, porque na realidade não os pisei, ou...digamos... descer... a estes dois cumes muito pouco visitados, no passado mês de Junho no âmbito da Luso-Expedição OLYMPUS 2008 organizada pelo departamento de biologia da Universidade Lusófona.
No meio do Atlântico, por entre um mar imenso de um azul transparente, com visibilidades a perder de vista, é no minimo estranho chegar ao cume... vindo de cima!
Mais estranho ainda é apercebermo-nos que de facto estamos num cume, numa pequena e estreita agulha, com paredes e diedros verticais por cima de um abismo... Apercebermo-nos que se não fosse a àgua e a falta de gravidade dificilmente ali bivaquariam mais do que 2 ou 3 pessoas.
Continuamos a descer e vemos alguns picos, uma estreita linha de gendarmes, até um pico vizinho mais alto...
Apesar das muitas algas, esponjas e gorgónias, dos peixes e das raias, os cumes do Ormonde e do Gettysburg pouco têm a ver com o fundo do mar como habitualmente o vemos na televisão. A paisagem de rocha vertical será mais familiar ao montanhista do que ao mergulhador.

A àgua transparente deixa passar muita luz e num dia de sol e mar calmo, como foi o caso desta vez, a visibilidade é de muitos metros, o que nos permite admirar esta paisagem de rocha, habitada por imensos cardumes de pelágicos de porte considerável, que se aproximam curiosos atraídos pelas bolhas dos mergulhadores.
Aqueles que gostam de ver de perto a fauna dos locais que visitam não ficam desiludidos.

Não sei dizer quantas vezes se terá pisado este cume, aliás, quantas vezes se terá mergulhado neste cume, mas pela distância a Portugal Continental fácilmente se compreenderá que não é uma actividade ao alcance de qualquer um. Afinal nem todos nós somos os felizes possuidores de um barco que navegue 120 milhas náuticas, 223 kilometros, em condições oceânicas. Apesar de haver quem já o tenha feito em embarcações particulares é mais normal as raras incursões ao Gorringe revestirem-se de carácter expedicionário com objectivos cientificos.
Uma qualquer busca na internet por GORRINGE permite encontrar dezenas e dezenas de sites, com a mais variada informação, bem como inúmeros papers cientificos em formato .PDF

quinta-feira, 21 de agosto de 2008



Desenho: Jamie Givens,
Publicado em Alpinist 24, Summer 2008