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A Noiva é um belíssimo “monólito” de calcário, que se eleva cerca de 120 metros acima do mar.
Tem alguns filões de outras rochas, todas de qualidade duvidosa. O oceano rodeia o impressionante rochedo quase por completo (na realidade é uma “quase ilha”) que possui uma “perna” virada a sudeste, com o mar a passar por baixo.
O enquadramento é único, sendo a Noiva apenas ombreada pela vizinha Ursa, outro pináculo de rocha calcária com cerca de 100 metros no seu topo, reduzido por uma derrocada de abril de 2011 (primeira escalada 1966, LFB, CSV, JJV, actualmente desaconselhada).
Localiza-se a menos de 1 km a norte do Cabo da Roca, num dos extremos da praia da Ursa.
A sua primeira escalada é concretizada(pela face leste, a do rapel) em 10 de maio de 1971, através de Américo Abreu, em conjunto com Morais, Alexandre Lugtenburg de Garcia e Gaspar, este o mais experiente à data e que liderou na maior parte da via. A 1ª subida da atualmente escalada face sul ocorreu em 5 de junho de 1976, pela mão do Paulo Alves, Luis Amaral e Luis Severo Alves, com bivaque inesperado no topo, sem água! Sendo uma das mais clássicas e emblemáticas escaladas da região de Lisboa (talvez pelo facto de o seu cume apenas poder ser atingido através de escalada) recebo com invulgar frequência pedidos de informação sobre a concretização da sua escalada, a mim, fraco trepador de rochas fáceis.
A primeira vez que concretizei a sua escalada foi em 1980, e desde então já a subi 51 vezes, ao longo destes 35 anos, até ao presente ano de 2015, a maior parte delas em 1º de cordada ou alternando com o Pedro Cid (campeão do material minimalista, com 6 mosquetões e 4 entaladores pré escolhidos). Nas minhas mais recentes “Noivas” tenho de agradecer a liderança de amigos como o António Afonso, o Tiago Pais e o Tiago Rodrigues, grandes craques da clássica podre.
*Enquadramento: sendo uma escalada relativamente fácil (máx. V, no passado cotávamos IV) não é acessível para inexperientes ou cardíacos.
A crescente decomposição da rocha, as passagens aéreas (sobretudo de R3 para R4), os rapéis complexos (em particular o segundo) e a retirada difícil (não vertical nem evidente) tornam este monólito acessível apenas a quem tenha muitas horas de experiência em terreno complicado, razoáveis conhecimentos de clássica e à vontade na resolução de problemas.
Não pode ser realizada em dias de vento norte forte (e não nos referimos apenas a ventos de 80 ou 90 km/hora, metade dessa força de vento tornam os rapéis praticamente impossíveis, com recuperação de corda incerta). Não caiam no raciocínio “eu faço 7a ali na Guia, portanto V grau é como depenar gaivotas bebés”… a propósito, evitem a primavera porque elas atacam capacetes desalmadamente. O tempo estimado; para uma cordada bem rodada, será de duas horas e meia para subida e hora e meia para descida (sem contar com caminhos de acesso).
*Acesso: desde o estacionamento da praia da Ursa, ou mesmo desde Almoçageme, será necessário aceder ao planalto fronteiro à Noiva, e a partir daqui, uns 50 metros a sul do alinhamento dos rapéis, descer um caminho não muito evidente, confortável de início, cada vez mais instável na parte baixa, com algumas derrocadas antigas e degraus instáveis. Precaução!
*Material: duas cordas de 40 metros ou mais, duplas ou gémeas, permitem enquadrar na perfeição uma cordada de 3 elementos e realizar os rapéis de 40 metros. Uma corda simples (1) e uma dupla (1/2) cumprem o mesmo objetivo, mas em cordada alongada (e não em V invertido, o que até é mais seguro para o elemento do meio).
Um “dispensável” estibo extra de 40 metros e 7 mm, dentro da mochila (uma pequena por cordada, com água, telemóvel, farmácia e corta-ventos) permite um plano B em caso de bloqueio de corda no rapel, ou mesmo providenciar segurança de ambos os lados a um elemento menos experiente ao longo do corrimão. Meia dúzia de fitas, 10 expressos, 4 friends e 6 entaladores variados. Prever ainda 4 mosquetões soltos para montagens. Pés de gato confortáveis. Capacete obviamente obrigatório!
*Escalada: a primeira reunião (R1) pode ser confortavelmente instalada na base (ou a 2 metros do chão) de onde arrancam os primeiros passos (foto 2).
Apenas em caso de maré cheia não é aconselhável esta R1, podendo neste caso ser realizado um acesso alternativo, ao longo de um filão descendente de granito rosa (foto 3, ao fundo, perigoso). Existe um 3º acesso pela perna, apenas possível com maré muito baixa.
O arranque é fácil, com um passo vertical de IV, bem encaixado e protegido, antes de o corrimão puxar para a esquerda, em ascendente moderada e mais fácil. Passível de ir protegendo, proteção mais psicológica que efetiva, é certo. No entanto, estes passos quase na horizontal não ultrapassam o III grau.
A rocha, que no passado parecia ser aqui muito decomposta, agora até parece ser da mais fiável, tal a degradação verificada nos comprimentos acima. A reunião seguinte (R2) tem grande qualidade e uma ampla plataforma.
Permite segurança a toda a prova para o corrimão (foto 4). Daqui, iremos prosseguir o corrimão, agora em caminho ascendente bem marcado, que se faz quase sem mãos (mas com pedras soltas), até um “ombro” / aresta, em que o 1º de cordada deixa de ser visível no troço seguinte, com uns 5 a 7 metros de III grau, até R3.
Algumas pessoas preferem uma pequena reunião intermédia, por causa da perca de visibilidade, mas não se justifica. Combinar a comunicação antes de se perder o contacto visual. R3 (foto 5) é um problema complexo.
A grande rocha onde estava o material colocado colapsou, e com ela foi-se a reunião. Sobram uma plaquete e um piton ferrugento. A reunião é facilmente reforçada, pelo que se consegue uma reunião muito aceitável e quase confortável para 3 pessoas. Aérea, é certo, e sujeita a queda de pedras do comprimento seguinte. Não deixem cair os pés de gato…
De R3 para R4 temos o comprimento chave da Noiva. Felizmente o António Afonso colocou uma plaquete (expresso da foto 6) logo nos primeiros 3 metros após saída de R3 (pode ser antecipado por um pequeníssimo entalador de cabo, à direita da linha de subida). Protegível toda a subida, embora sem grande estabilização do escalador, arejada, acessível depois de muito tatear e encontrar as presas certas.
Depois de desenrolar 15 metros de corda na vertical (atenção ao atrito), preparar a passagem crucial para a direita (escalador na foto 6). Protegível com friends ou entaladores (prever duas protecções para este passo), que o velho piton já teve melhores dias (apesar de ter aguentado com um voo de 10 metros do Jinho e por lá ter continuado com mais 30 anos de bons serviços).
Passo aéreo lateral, V ou V+ em equilíbrio, com rocha solta no pé direito e presas desfavoráveis para as mãos (foto 7). Subir bem o corpo. Corda em atrito, tensão e finalmente o alívio, com a viragem para a frigideira. Terreno fácil, côncavo quase vertical, durante 7 ou 8 metros, em direita ascendente, até fissura larga, bem protegível (excêntrico grande ou friend).
Último passo desequilibrado, bem protegido, para um restabelecimento delicado e acesso imediato a R4. Duas plaquetes ferrugentas e um piton, melhorável com fita e entalador, bastante fiável.
Pode aceder-se aos blocos acima de R4 para reforço (foto 8, com escalador em R4 e os restantes acima). Representa o fim das dificuldades. Daqui para cima, blocos descompostos de II ou III grau (foto 9, mais olho do que proteção). R5 já no cume, largo (bivaque possível e interessante), com zimbro seco e rocha.
*Rappel: as montagens têm qualidade e inspiram confiança.
O primeiro rapel (RP1) tem uma corrente, plaquete, tige e argolas inox. Como a argola para a corda é única, pode ser duplicada para os primeiros, com evidente fita e mosquetão, retirada pelo último a rapelar (fotos 10 a 12). Em caso de vento, pode ser útil o primeiro segurar as pontas da corda desde baixo para os seguintes. Em caso de muito vento, o primeiro deve descer com a corda dentro da mochila, presa abaixo do arnês, em estilo “petate”.
Cuidado com os bicos de pedra, abaixo e acima do rapelador, escolhendo a linha mais vertical e evidente possível. Rapel aéreo mas fiável. Prever luvas. RP 2 bem montado, com corrente e duas tiges. Este é um rapel complicado!
Partindo do princípio de que não dispomos de uma corda bicolor de 80 metros, o nó de união das duas de 40 constituí aqui um problema. Prever deixar esse nó abaixo da pequena aresta visível na foto 13, senão o azar bate-vos à porta, e a recuperação da corda pode não ser possível. Pessoalmente, deixo o nó ainda mais abaixo, para evitar bloqueios.
Este rapel é ainda mais sensível a vento (ver corda na horizontal foto 14), a pedras soltas acima e abaixo do rapelador (foto 15), a uma escolha dúbia da melhor linha de rapel (foto 16) e a uma recuperação de corda sujeita a bloqueios, queda de pedras e esforço acrescido (fotos 17 e 18). Existem muitos blocos soltos, ao longo de todo o rapel, pelo que quem termina o rapel tem de buscar um verdadeiro abrigo das pedras.
Cuidado com seccionamentos da corda, devido a queda de pedras antes, durante ou depois da passagem de cada rapelador. Espero que se divirtam, joguem sempre pelo seguro, não facilitem e vão dando feed back da utilidade e atualidade da descrição.
Reportes de atualização vão sendo úteis. Na próxima voltamos à Ursa :)
Rogério Morais - Apaixonado pela Noiva desde 1980
Fotos RM, António Afonso, Paulo Alves, Alexandre Lugtenburg de Garcia e outros