Nova alvorada, e dirigimo-nos, com carga máxima na mochila e todos os nossos haveres de férias para o col “Durand”, tido como fácil, mas habitualmente com o gelo vivo e bem empinado. As mochilas estão enormes. Dentro da minha velha “Karrimor Dougal Haston Alpinist”, de 65+15 litros, levo todo o arsenal de montanha comigo. Botas, ténis, tudo. Além de que a maioria do material não é um exemplo de leveza e tecnicidade, como hoje se verifica com as fibras sintéticas e as capas de Goretex. Fazem parte do equipamento camisolas de malha e umas calças de ski, com risca lateral e tudo (compradas nos “Grandes Armazéns do Chiado”, entretanto consumidos pelo grande incêndio). Mas tenho uma corda acabada de comprar em Chamonix, que é o meu orgulho deste verão. Os mais bem equipados são o Paulo Alves (para quem olhamos como rico) e o Pedro Cid, por terem ambos ordenado (de geólogo e arquitecto, respectivamente). Tanto eu como o Jorge somos estudantes, e andamos nesta vida com as mesadas acumuladas ao longo de 10 meses. Ainda assim, o Pedro subiu o Cervino com um arnês integral improvisado, feito de fita plana, devidamente aparelhado com nós.
Glaciar longo, sem ninguém, com o caminho a ser traçado por nossa conta, à vontade do freguês. No “col” deparamos com um guia suíço, daqueles da velha guarda (com piolet enorme de cabo de madeira e lâmina recta, com apenas dois dentes na ponta) acompanhado de meia dúzia de jovens. Dava uma belíssima demonstração de domínio das técnicas clássicas, a cavar degraus para os clientes com grande afinco e rapidez. Deliciados com a benesse, subimos atrás dele, sem dificuldade, o que não teria sido o caso, se tivéssemos de talhar nós, ou montar corda. De enfiada subimos a “Pointe de Zinal”, fácil, bonita, simpática, com gelo no início e uma aresta de rocha no final. O gelo gemia e quebrava. Reparei que o Paulo Alves, com a sua experiência e dedo para “adivinhar” avalanches de placa, não estava nada confortável com os ruídos que a placa emitia. Passou-se o perigo e a desconfiança, chegámos à rocha e lá atingimos cume, sem história. Se desde Zinal, este pico impressiona, reinando e culminando a cabeceira do vale. Agora ali, com a Dent Blanche e o Cervino ao lado, parece minúsculo, com os seus escassos 3.800 metros, diminuído pela concorrência. Descida rápida, novos suores frios nas placas de gelo e retomamos o caminho normal para o refúgio de “Shonbielhutte”, não guardado neste meio/final de Agosto, para uma noite sem história, felizmente gratuita.
Na manhã seguinte, continuação da descida para o vale de acesso a Zermatt, com o Cervino bem defronte da nossa vista, preenchendo a nossa mente. A neve fresca, caída dois dias antes, preocupa-nos. A aresta de Hornli é uma subida em rocha, que a neve pode dificultar em muito. Aguardamos o evoluir natural da situação. Só em Staffel conseguimos apanhar o caminho de acesso ao refúgio de Hornli (na realidade um refúgio e um “hotel” de montanha, lado a lado). A alternativa para não ir dar a volta a Staffel era subir pela face norte, um pouco fora das nossas capacidades (se bem que na altura não fosse coisa que não passasse pelas nossas cabeças sonhadoras). Com a chegada ao refúgio, as primeiras notas fortes de proximidade: aresta impressionante, opressora mesmo; uma boa dezena de placas invocando a morte deste ou daquele alpinista, com maior representação para americanos; com o final da tarde e o cair da noite, uma cena inesperada e marcante: dezenas e dezenas de frontais acendem-se pela parede acima, provenientes de pessoas que não conseguem chegar ao refúgio com luz. Alguns ainda vão chegando na 1ª hora de escuridão, outros vão-se apagando pelo caminho, por cansaço, por falta de baterias, por medo de uma queda.
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