segunda-feira, 9 de setembro de 2013
Túnel do Mont Blanc / Chamonix - Courmayeur
A construção:
A ideia de perfurar um túnel a ligar Chamonix com Courmayeur, no vale de Aosta, sob o Mont Blanc e restante maciço, nasceu logo após o final da 2ª Guerra Mundial. Em 1949 criou-se uma comissão conjunta franco italiana, e em 1957 inicia-se a construção (dois anos depois do tratado de Roma, de 1955, que simbolicamente criou a Comunidade Europeia). A inauguração virá a ocorrer apenas 8 anos mais tarde. Pelo caminho longo e penoso da perfuração, ficaram as vidas de 21 operários que, em conjunto com muitos outros, permitiram que em agosto de 1962 as duas testas de perfuração se unissem. Com um desvio mínimo do eixo do túnel, de apenas escassos centímetros, este foi um sucesso para a engenharia da época. Em julho de 1965 concretizou-se a inauguração oficial, registando-se um tráfego crescente a partir daí. No ano de 1998, o número de veículos anual atingia os 2 milhões, dos quais 750.000 eram pesados, o que atesta bem a importância económica e comercial desta ligação, "malgré" a degradação das condições ambientais nos vales de acesso ao túnel.
O túnel tem um comprimento de 11,6 km, com apenas duas faixas e uma largura total de 8,6 metros. A cota de entrada em França é a 1.274 metros, sendo a do lado italiano de 1.381 metros. O centro do túnel tem uma cota ainda superior a esta boca italiana, fazendo portanto um ligeiro vértice central.
O incêndio de 1999:
De 24 a 26 de março de 1999, o túnel do Mont Blanc ardeu, sem interrupção, durante 53 horas. 39 vidas se perderam, entre os quais um bombeiro. Encerrou com estragos importantes durante 3 anos para permitir a sua recuperação (4 anos para camiões).
Um camião entrado pelo lado francês, carregado de margarina (não considerada uma substância perigosa, nem sendo declarada como tal) percorre 7 km, uma parte dos quais já com fumo a sair do sistema de filtragem do ar (provável beata entrada no filtro) e com alguns automobilista em sentido contrário a fazerem-lhe sinais de luzes. Ao km 7, depois de imobilizar o camião e tentar apagar o fogo com o extintor da viatura, o motorista é surpreendido por uma explosão no camião e abandona-o. Alguns automobilistas mais próximos tentam dar meia volta, alguns conseguem-no, outros sentem o motor ir abaixo e já não funcionar por falta de oxigéneo e acumulação de gases. A opacidade aumenta com os fumos, e os que saem das viaturas nada veem. Caminham e resistem apenas alguns metros fora das viaturas, sem verem sequer as guaritas com portas anti fogo. Para os vários camiões parados, a opção de dar meia volta não se coloca, uma vez que a largura de 8 metros do túnel não o permite. Entretanto, o alarme geral é dado no centro de operações francês, mas Itália continua a deixar entrar veículos, numa descoordenação pouco compreensível, apenas possível por se tratarem de duas entidades independentes. Das 50 pessoas apanhadas pelo episódio de fogo, apenas 12 se conseguem salvar, a maioria com ajuda de uma moto que mais à frente referiremos.
Os bombeiros entrados pelo lado francês são também bloqueados nas suas viaturas não preparadas, pelos fumos e falta de oxigénio para os motores, sendo obrigados a procurar resguardo nos abrigos (sem saída do lado francês, e apenas um com saída do lado italiano) Estes abrigos com portas anti fogo estão preparados para resistir apenas 2 horas. Nova vaga de bombeiros franceses, já equipados com máscaras de oxigéneo, mas com viaturas de motor atmosférico, tem como prioridade resgatar os companheiros encurralados. Camiões bloqueados a 200 metros do camião incendiado em 1º lugar entram também em combustão, devido às temperaturas atingidas dentro do túnel, entre 1.000 a 1.200 graus centigrados (devido a auto ignição do próprio camião, a combustível derramado pelo solo ou ao próprio alcatrão, que poderá ter entrado em combustão com este nível de temperatura).
A circulação natural de ar dentro do túnel, faz com que o fumo seja naturalmente empurrado de Itália para França, o que fez com que os bombeiros do lado italiano possam salvar-se na totalidade, também graças a uma saída de emergência lateral. No final, um balanço de 39 mortos, transportados em 24 pesados, 9 ligeiros e 1 moto. Uma palavra para o herói motard italiano Spadino, que salvou 8 pessoas com a sua moto de serviço e que na sua última viagem, antes de morrer, se encerrou num abrigo anti fogo com um motorista de camião inanimado, abrigo esse que resistiu 2 das 53 horas que durou o incêndio. Um memorial a Spaldino existe hoje na entrada francesa do túnel, sendo realizada uma concorrida homenagem motard anual.
A sucessão dos acontecimentos apresenta um quadro de má conjugação de fatores, deficiente equipamento, alguma negligência e péssima articulação entre a sociedade gestora francesa e a sua congénere italiana. No final, após julgamento dos implicados, várias pessoas vieram a ser condenadas, entre os quais o responsável de segurança do túnel, Gérard Roncoli, com 6 meses de prisão real e 30 meses de pena suspensa, o presidente da Câmara de Chamonix, com 6 meses de pena suspensa, e o condutor do camião incendiado, com 4 meses de pena suspensa.
A atualidade:
Após um gasto de 250 milhões de euros na recuperação do túnel, que atinge 380 milhões se somarmos os investimentos em segurança posteriores, o túnel do Mont Blanc dispõe, na atualidade, dos melhores sistemas anti fogo disponíveis. 120 câmaras de cctv, 232 alarmes de opacidade, cabo com 3.860 sensores de temperatura, aceleradores de desenfumagem, condutas de sucção, etc., além de um rigoroso controlo de temperatura dos camiões ainda no exterior, fazem com que um incêndio destas dimensões seja pouco provável na atualidade. No entanto, a vulnerabilidade a ataques terroristas, por exemplo, continua a ser elevada.
O túnel do Mont Blanc, continua e continuará a ser uma passagem importante para vencer o obstáculo dos Alpes por via rodoviária.
Rogério Morais
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2 comentários:
Muito bem Rogério, mais um artigo muito interessante sobretudo com informação histórica muito relevante...Parabéns
Obrigado Anónimo. O pedido do Gonçalo Velez para irmos postando umas coisas, à falta de melhor montanha, leva a isto :) Abraço
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