sexta-feira, 11 de setembro de 2015
Comportamento em montanha (e não só) perante trovoadas
Nas últimas saídas tenho-me apercebido de alguns mitos (geralmente urbanos) relativos a tempestades eléctricas em montanha (e não só).
Com a chegada de Setembro, o tema volta sempre à mesa do refúgio, e aproveito para dar o meu contributo. É o mês dos fotógrafos com flash.
Só em França morrem umas 15 pessoas por ano vítimas de raio (as do pavor não estão aqui contabilizadas), subindo este número para 50 pessoas ano nos USA e 24.000 mortes anuais em todo o planeta (presume-se que na China caem que nem moscas, com um valor desta dimensão).
MAS TAMBÉM TRAGO BOAS NOTÍCIAS:
90% dos atingidos sobrevivem, apesar de danos permanentes na maior parte dos casos. O impacto direto de uma raio tem mortalidade muito elevada, os indirectos boas probabilidades de sobrevivência (pratiquem a massagem cardíaca, que dá sempre jeito).
Para termos a noção de que muito raio não faz qualquer vítima, ficam a saber que só no dia 6/08/1999, em França, caíram no solo 78.000 raios (isto num só dia).
Mas vamos ao que interessa, que é a nossa conduta em montanha (mas não só), atitudes defensivas e decisões a tomar:
1.LOCAIS POTENCIALMENTE MUITO PERIGOSOS:
a. Cumes
b. Arestas e cumeadas
c. Proximidades de grandes massas de água, em especial no meio de uma barragem (Kayak, por exemplo)
d. Debaixo de grandes árvores isoladas
e. Na janela aberta ou porta de um refúgio, para tirar umas belas fotos ao raio
(exemplo de um local potencialmente muito perigoso durante uma tempestade: cumeada do Cântaro Gordo)
2. LOCAIS DE PERIGOSIDADE MÉDIA:
a. Meia encosta
b. Fundos de vale, preferencialmente afastado da linha de água
c. Colinas suaves, rodeadas de elevados picos
d. Floresta densa, sem relevância da árvore onde estamos
(exemplo de local de perigosidade média: lateral do Covão Cimeiro, afastado das ribeiras e nos primeiros metros de subida de cota)
3. LOCAIS DE BAIXA PERIGOSIDADE:
a. Dentro de um automóvel com as janelas fechadas (uma tenda, per si, não oferece qualquer proteção, ao contrário de um automóvel).
b. Próximo de Eólicas, paredões de barragem, centrais nucleares, etc. (todas possuem bons pára raios, que fazem o seu serviço)
c. Dentro de um refúgio de montanha, com janelas e portas fechadas
(exemplo de um local de baixa perigosidade: o bunker da Força Aérea, na serra de Monsanto)
ANÁLISE DA SITUAÇÃO, atitudes a tomar, decisões, condutas defensivas:
1. A prevenção pode começar dias antes da trovoada. Leiam as previsões meteo, e em caso de trovoadas anunciadas, aproveitem para ir para a praia ou visitar aquela avó do Teixoso, que andam hà anos para ir lá esmifrar!
2. Na manhã do dia de trovoada anunciada para o final da tarde tomem as opções certas: encurtar a atividade, optar por percursos a baixa altitude em vez de cumeadas e portelas, não percam tempo pelo caminho, cheguem cedo;
3. Se a trovoada se começar a aproximar de vós, avaliem a vossa evolução no terreno: prossigo até ao meu abrigo seguro, ou volto para trás para o último abrigo seguro conhecido? Prossigo a bom ritmo (se estou a meia hora do refúgio) ou procuro um abrigo provisório adequado e preparo-me para a molha até aos ossos?
4. Se decido continuar, e estou com um grupo, devo fazê-lo com contacto visual próximo entre todos (mínimo 5 metros, máximo 10 entre cada elemento). Não fazer grupos compactos, nem mesmo dois a dois (excepto em caso de pânico apaziguável). Com o afastamento razoável entre elementos, se houver um impacto indirecto, com paragem cardíaca, será relativamente fácil recuperar o batimento cardíaco através de massagem adequada. Se o impacto for direto, pelo menos temos apenas uma vítima de cada vez.
E AGORA?:
A situação é a pior possível, os impactos rodeiam-me, tenho fogos de santelmo no piolet, cabelos em pé (a levantar o gorro, mesmo) e tenho a certeza absoluta de que vou morrer. O que devo interiorizar e fazer:
a. A avaliação de que vou morrer é, de um modo geral, exagerada, embora perfeitamente compreensível;
b. Deitar para o chão na eminência de um impacto é escusada e até perigosa;
c. Devo procurar uma parede rochosa de dimensão média (depende muito, mas de 5 a 20 metros é abundante e aceitável) desde que em redor existam outros cumes mais altos, ou essa parede esteja integrada num vale. Não usar uma parede topo de uma cumeada;
d. Vestir toda a roupa adequada à tempestade, incluindo goretex.
e. Encontrada a parede, procurar uma pedra isolada do chão onde caiba uma pessoa (2x2 metros, ou mesmo menos, o vulgar calhau de generosas dimensões)
f. Colocar piolet, metais, mosquetões e pitons a um bom par de metros do calhau isolado (incluir eventual portátil, que tem bateria importante);
g. Colocar sobre este calhau a minha mochila e / ou corda para isolar o solo e agachar-me em cima do isolamento. Utilizar apenas as solas das botas (juntas) e não o rabo, que dá uma saída de impacto elétrico muito chata;
h. Se encontrar uma gruta ou túnel para me abrigar, afastar da entrada e das paredes. Calhau isolado mantem-se válido (ver desenho anexo);
i. Se estiver a meio de uma parede de escalada, afastar-me de fendas verticais e montar com muita urgência uma auto-segurança na horizontal. Mosquetões e material podem ser pendurados numa reunião alternativa. Agachar-me se possível.
j. Não se colem a uma parede, não se atirem para o chão, não se mantenham na continuidade de fendas ou chaminés.
CONSIDERAÇÕES FINAIS:
1. Keep calm
2. A ideia de que vamos morrer durante a tempestade eléctrica é, de um modo geral, totalmente infundada;
3. Uma trovoada tanto pode durar 10 minutos, como durar uma noite inteira. Preparem-se em conformidade para o cenário;
4. Optem pelas soluções mais seguras, em todas as situações. Encurtem jornadas e perigos;
5. Mantenham-se otimistas
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