quarta-feira, 17 de setembro de 2008

MONTANHAS SUBMERSAS II

O verão foi passando, com a habitual nortada que se faz sentir aqui pela serra de Sintra, e foi já em Setembro que um dia o vento amainou o suficiente para permitir ir ao cume da Montanha de Camões... mesmo aqui ao lado...
22 kilometros a oeste do Cabo da Roca ergue-se a Montanha de Camões, um pequeno planalto com pouco mais de 4 kilometros de comprimento na sua zona mais larga. As paredes do Cabo da Roca descem aos 100 metros de profundidade para depois irem ascendendo muito suavemente até à escosta este da Montanha de Camões. Do outro lado, virado a oeste, a encosta desce de modo abrupto até aos 500 metros de profundidade e ainda mais longe, numa zona chamada (Vá lá saber-se porquê!) Mar dos Ursos baixa aos 1000 metros continuando a descer pelo Atlântico “a dentro”!
A profundidade do cume varia entre os 40 e os 50 metros.
Numa zona afastada da costa e exposta a correntes oceânicas e ao forte vento norte que se faz sentir no litoral oeste de Portugal, a Montanha de Camões não é um spot que conste da lista de locais habituais dos operadores de mergulho.
Pela distância a percorrer, e pelas habituais más condições de mar que se encontram, é uma viagem que tem de se fazer com segurança e, já agora, conforto, o que mais uma vez implica ter uma embarcação que não o habitual semi-rígido usado para o mergulho junto à costa.
No principio de Setembro a meteorologia foi favorável e o centro de mergulho EXTREMEDIVE, a operar a partir da Marina de Cascais, conseguiu coordenar uma ida à Montanha de Camões, a primeira desde Outubro de 2006.
Ao contrário do que encontramos no Gorringe, aqui não temos um pico nem uma linha de cumeada. O fundo de rocha é relativamente plano e coberto de altas laminárias, com um aspecto mais normal de “fundo do mar”! A costa está a distância suficiente para que os sedimentos e lôdo não afectem a visibilidade que aqui é igualmente excelente, de um azul “açoreano” a perder de vista.














Se este local proporciona um mergulho de excepção, a viagem com mar “chão” num dia de sol vale só por si. Mas este dia trouxe ainda algo que ninguém esperava!!! Sendo por estes dias cada vez mais comum observar golfinhos junto à costa (Passam em frente à Guia de vez em quando, e em Sesimbra vêem-se todos os fins de semana!) não é nada comum vê-los debaixo de àgua...
Mas neste dia foi o que aconteceu... Os curiosos golfinhos vieram espreitar os mergulhadores, fazendo umas quantas passagens por nós, de um lado para o outro, para de repente desaparecer sem aviso.

...e não é habitual ver golfinhos na montanha...





























As condições de mar permitiram lançar ferro e fazer um intervalo de superficie de duas horas, tal como planeado, efectuando ainda um segundo mergulho, voltando a Cascais pelo final da tarde. A viagem demora mais de duas horas.

Foi um dia bem passado na Montanha... de Camões.




Uma silhueta conhecida de muitos montanhistas...

Fotografadas a sul do Cabo Raso rumo a oeste, por entre a névoa matinal, a Noiva e a Ursa começam a aparecer atrás do Cabo da Roca.

MONTANHAS SUBMERSAS I



Com grande pena minha estou sem fazer actividades de montanha há mais tempo do que desejaria... Áparte uma ou outra caminhada serrana sempre agradável mas pouco digna de menção não tenho feito nada de montanhismo nem canyoning...
No entanto, neste ano de 2008, reuniram-se condições que proporcionaram duas idas à montanha algo diferentes das habituais...

A primeira foi no passado mês de Junho, nos picos Ormonde e Gettysburg, cumes da montanha submersa chamada Gorringe.
Entre Portugal Continental e a ilha da Madeira existe uma grande cordilheira submersa, com cerca de 5000 kilometros de comprimento, e no local em que atinge menor profundidade (ou maior altitude, se preferirem!) forma-se aquilo a que se chama um “Banco”, uma espécie de cumeada ou planalto mais alto. No caso do banco do Gorringe, que tem o seu sopé a cerca de 5500 metros de profundidade, os dois picos mais altos, baptizados pico Ormonde e pico Gettysburg, são altissimos, chegando a cerca de 30 metros de profundidade, ou seja, profundidades alcançáveis em mergulho com escafandro autónomo.
Como podem calcular não é um local onde se vá regularmente, tanto pela logistica envolvida, bem como pelas condições meteorológicas, que têm de ser ideais.
Tive a oportunidade de pisar, ou melhor, ascender, porque na realidade não os pisei, ou...digamos... descer... a estes dois cumes muito pouco visitados, no passado mês de Junho no âmbito da Luso-Expedição OLYMPUS 2008 organizada pelo departamento de biologia da Universidade Lusófona.
No meio do Atlântico, por entre um mar imenso de um azul transparente, com visibilidades a perder de vista, é no minimo estranho chegar ao cume... vindo de cima!
Mais estranho ainda é apercebermo-nos que de facto estamos num cume, numa pequena e estreita agulha, com paredes e diedros verticais por cima de um abismo... Apercebermo-nos que se não fosse a àgua e a falta de gravidade dificilmente ali bivaquariam mais do que 2 ou 3 pessoas.
Continuamos a descer e vemos alguns picos, uma estreita linha de gendarmes, até um pico vizinho mais alto...
Apesar das muitas algas, esponjas e gorgónias, dos peixes e das raias, os cumes do Ormonde e do Gettysburg pouco têm a ver com o fundo do mar como habitualmente o vemos na televisão. A paisagem de rocha vertical será mais familiar ao montanhista do que ao mergulhador.

A àgua transparente deixa passar muita luz e num dia de sol e mar calmo, como foi o caso desta vez, a visibilidade é de muitos metros, o que nos permite admirar esta paisagem de rocha, habitada por imensos cardumes de pelágicos de porte considerável, que se aproximam curiosos atraídos pelas bolhas dos mergulhadores.
Aqueles que gostam de ver de perto a fauna dos locais que visitam não ficam desiludidos.

Não sei dizer quantas vezes se terá pisado este cume, aliás, quantas vezes se terá mergulhado neste cume, mas pela distância a Portugal Continental fácilmente se compreenderá que não é uma actividade ao alcance de qualquer um. Afinal nem todos nós somos os felizes possuidores de um barco que navegue 120 milhas náuticas, 223 kilometros, em condições oceânicas. Apesar de haver quem já o tenha feito em embarcações particulares é mais normal as raras incursões ao Gorringe revestirem-se de carácter expedicionário com objectivos cientificos.
Uma qualquer busca na internet por GORRINGE permite encontrar dezenas e dezenas de sites, com a mais variada informação, bem como inúmeros papers cientificos em formato .PDF