segunda-feira, 18 de maio de 2015

Palestra Responsabilidade Civil e Criminal em Desportos da Natureza. 14 de maio de 2015

No dia 14 de maio de 2015 decorreu na sede da Desnível uma excelente Palestra, com um tema que não poderia ser mais actual e premente (numa semana de mais um infeliz acidente mortal, desta vez de canyoning, no Gerês). Os palestrantes foram: Dr.ª Carla Coelho, Juiz de Direito na Instância Local Criminal em Lisboa. Licenciada em Direito pela Universidade Católica Portuguesa (1997). Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2003). Consultora jurídica da Comissão dos Rios Internacionais (Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1997-1999) e advogada (1999-2003). Foi admitida no Centro de Estudos Judiciários (2003) sendo Juiz de Direito. Nessa qualidade exerceu funções em Cascais, Ponte de Sôr, Entroncamento, Sintra e Lisboa. Dr. Manuel A. Nunes, Magistrado do Ministério Público (Procurador-Adjunto). Pós-graduado em Direito de Medicina e Mestre em Ciências Jurídico-Civilísticas; associado da “ADA Desnível”; do “GEM“ (Grupo de Espeleologia e Montanhismo) da “APAA” (Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores) e da Sociedade de Geografia de Lisboa. A sessão teve início com a douta preleção da Dr.ª Carla Coelho, que não sendo conhecedora da realidade do desporto aventura, conforme sublinhou, soube captar a nossa atenção para uma temática densa (a da Responsabilidade Criminal) e tornar acessíveis, para leigos e não juristas, conceitos complexos e expectavelmente herméticos; e claro, a do nosso amigo e consócio Manuel Nunes, que no âmbito da vertente Responsabilidade Civil do mesmo tema nos trouxe imagens muito claras (algumas com 150 anos, outras desta semana) do terreno de jogo em que evoluímos e da complexidade que o mesmo pode assumir, sobretudo quando as coisas se complicam. O que eu retive de mais importante (obviamente na minha perspectiva, assimilação parcelar e interesses pessoais): *A completa nulidade jurídica das “declarações e termos de responsabilidade” habituais, em que um praticante declara assumir a responsabilidade por qualquer acidente, eximindo da mesma a empresa, clube, formador, o que seja (embora estas declarações possam contribuir para defender que existiu um “consentimento esclarecido”). O Tribunal irá apurar essas responsabilidades, por elas não são “transferíveis” (ou apenas o são parcialmente no caso de alguns seguros de RC); *A importância do “Consentimento esclarecido” e da informação prévia prestada ao praticante, em relação aos riscos existentes e hipotéticos. Muitos de nós descuramos esta vertente, que poderá até assumir algum tom desagradável; *A questão decisiva (não só do ponto de vista jurídico, mas também do prático) do raport entre número de formadores e nº de alunos (leia-se também de guias e de clientes, ou do que queiram); *A possibilidade e o direito de alguém querer abandonar ou não continuar numa determinada atividade ou objetivo (independentemente das questões práticas, ou mesmo de segurança para o indivíduo ou para o grupo, que isso possa colocar); *Do facto de poder não ser suficiente “explicar como se faz” ou “como se usa” um determinado aparelho ou se coloca em prática uma determinada técnica; *Da novidade que é, em termos de responsabilidade civil, recair sobre nós o ónus da prova, de que se tomaram todas as medidas preventivas e todas as boas práticas adequadas ao desporto ou acção que se levou a cabo, recair, dizia, sobre o formador, a empresa, associação ou clube “demandado”, em termos de ação intentada em tribunal; *A possibilidade de, entre um grupo de amigos, de associados, de formandos, etc. o mais experiente, mais velho, ou simplesmente “o organizador” (o que lançou o convite, por exemplo) poder ser chamado à responsabilidade em caso de acidente grave mortal ou com incapacidade física (isto em França é automático em caso de acidente grave, sendo logo constituído arguido o mais velho ou o mais experiente, até conclusão das investigações, que são sempre despoletadas em caso de acidente mortal). Resumo e considerações de Rogério Morais, sócio da ADA Desnível. &&&&& Transcrevemos de seguida um resumo do acórdão do Tribunal da Relação do Porto em relação a um acidente de 4/11/2003, (acórdão de 09 / 2009). Este acidente provocou danos físicos graves (Incapacidade Permanente de 42%, com lesões da coluna cervical e diversas fraturas), ocorrido com um rapel dentro do estádio do Dragão, no quadro de um casting para ser seleccionada para o evento da inauguração, em que uma jovem candidata em pânico caiu 5 a 6 metros, num final de um rapel de 40 metros, efetuado com um Gri, ao qual se agarrou com desespero à alavanca: Por efeito das lesões sofridas, a Autora não pode concluir o curso; A Autora pediu aos réus uma indeminização de 138.000 euros por danos patrimoniais e 105.000 euros para danos não patrimoniais; Os réus contestaram, dizendo que o acidente em causa ocorreu por culpa exclusiva da autora; (…) no caso em apreço não existe um diploma legal que estabeleça as regras de procedimento da atividade de rapel, pelo que (…) teremos de olhar novamente para a matéria de facto dada como provada; E como consequência do mencionado, a Ré deve responder nos termos do Art.º 493º do CC, por atividade perigosa, com inversão do ónus da prova da culpa, que no caso cabia à Ré afastar; A Autora realizou uma descida perfeitamente controlada de cerca de 36 metros, em baixa velocidade, tendo parado a cerca de 5 metros do solo por efectiva vontade. Nessa altura, e após ter ficado com medo e ter entrado em pânico accionou o motor do Gri Gri, precipitando-se sem controlo contra o solo; Foi operada à coluna vertebral e tornozelo direito; Após a alta, durante 5 meses somente se pode deslocar em cadeira de rodas; mais 4 meses de canadianas; fisioterapia 8 meses; A Ré tinha explicado à Autora e demais concorrentes o modo como se devia processar a descida e respectivos procedimentos de segurança. Mas uma simples explicação não basta para que se possa sustentar que a candidata a descida em rapel ficou com o domínio das técnicas a usar durante essa descida; Decisão: pelos fundamentos expostos: 1. Julga-se procedente a apelação da Autora, condenando a Ré a pagar à Autora a quantia de 157.500 euros, acrescida de juros de mora.